Para quem acha que piloto é profissão de playboy...
No meu último voo, enquanto aguardávamos a Van para o aeroporto, fiquei conversando com o copiloto e ele me contou sua história de vida. Fiquei tão comovida que pedi a autorização dele para escrevê-la.
Carlos Eduardo Carignato, nasceu em Jaú – SP, foi criado em um bairro rural de Pouso Alegre de Baixo, distante 8 km da cidade de Jaú, por pais humildes com mais três irmãos. Morava no horto florestal em uma casa que pertencia ao governo do estado de São Paulo.
Aos sete anos de idade sua família mudou-se para a cidade de Jaú, pois os irmãos necessitavam trabalhar para ajudar no sustento da casa. Ficou na cidade até os treze anos, quando teve que voltar a Pouso Alegre de Baixo, junto com os pais, pois sua mãe sofria de depressão por não suportar mais a vida na cidade grande. Seus irmãos ficaram trabalhando e morando em Jaú.
Ao voltar para Pouso Alegre começou a trabalhar no horto florestal, era um programa de treinamento de menores promovido pelo governo do estado. Foi seu primeiro emprego, recebia meio salário mínimo e estudava no período da Tarde.
Quando chegou a oitava série, já com quinze anos, resolveu fazer um curso de Técnico em Agropecuária, no colégio agrícola de Jaú. Sabia que não era a vontade de seus pais, mas tinha o sonho de ser técnico em agropecuária.
Ao completar 16 anos seu pai faleceu, e Carlinhos comenta: quem tem Deus não se apura. Foram morar com seu tio Roberto na casa que era herança da família. Seus irmãos casaram e ele ficou morando com a mãe. Como a família era muito unida, os irmãos sempre estavam por perto apoiando no que era preciso.
Em todas as férias, Carlinhos fazia estágio na Destilaria Grizzo, trabalhava como servente de pedreiro e em hortas colhendo verduras para ter um trocado para o final de semana, já que o único sustento deles vinha da pensão que a mãe recebia em virtude do falecimento do marido.
Ao se formar em 1994 foi convidado para trabalhar na Usina Central Paulista de Açúcar e Álcool, mas seu sonho era a Usina Diamante. Deus coloca as coisas na nossa vida na hora certa, conta Carlinhos. Depois de 25 dias trabalhando na Central Paulista foi chamado pela Usina Diamante onde ficou nove anos.
Foi nessa Usina que entrou em contato pela primeira vez com a aviação, pois eles trabalhavam com aviões agrícolas. A vontade de voar foi crescendo dentro dele e ao mesmo tempo a questão: deve ser muito dificil, impossível para ele.
O tempo ia passando e a idéia foi se transformando numa paixão. Num certo dia, já cansado de tantas dúvidas, resolveu procurar um aeroclube para obter informações sobre o que precisava para ser piloto. Seu tio Catarino Rozaboni, ao saber disso, entrou em contato com o presidente do Aeroclube de Bariri – SP , próximo de Jaú, e ficou sabendo que estava para começar uma nova turma de Piloto Privado e o inscreveu.
Começou a frequentar as aulas sem imaginar o que seria, o que estudaria e se teria condições financeiras para seguir a diante, já que seu salário mau dava para se sustentar. Chegou o dia da primeira prova. Como não tinha tempo para estudar, não conseguiu passar.
Quando comentou com os amigos que estava fazendo curso de piloto de avião, foi o motivo de piada por um bom tempo. Todos insistiam em dizer que ele jamais conseguiria, pois era profissão de gente rica e inteligente.
Sem se deixar desanimar, Carlinhos seguiu em frente. Comprou uma hora de voo de Aero Buero (PP-GKB) que pertencia ao aeroclube de Bariri e hoje está em Araraquara, sua primeira grande vitória. Muitas vezes pensou em desistir, não conseguia mais estudar sozinho, até que um dia o aeroclube de Itápolis abriu uma sala em Jaú, e formaram uma turma de Piloto Privado. Nessa segunda chance conseguiu passar nas provas e começou a voar planador. Pagou o curso de planador com o dinheiro que recebia para fazer dedetização nas residências dos ex patrões da usina.
Com o curso de Piloto Privado concluído, conheceu um Piloto Agricola que era vice presidente do Aeroclube de Ourinhos, Airton Tadeu de Souza, que o convidou a voar com ele em Ourinhos. Nessa época Carlinhos começou a fazer o curso de Piloto Comercial a noite em Bauru-SP. Para pagar o curso trabalhava até as 17h na Usina e a noite dirigia uma Van que transportava alunos para Bauru. Esse transporte o ajudava a ir até o curso sem precisar pagar o tranporte até lá. Voltava todos os dias a 01h da manhã e acordava as 05h para trabalhar de novo.
Quando terminou o curso de Piloto Comercial, não sabia o que fazer para voar, pois não tinha dinheiro para pagar quase 150 hs de voo. Nesse momento pensou em desistir. Mas, como afirma Carlinhos, Deus sempre dava uma mãozinha. Conheceu Eitor vice presidente do aeroclube de Ourinhos e o Sr Osvaldo Francisquine de Barretos. Através dele conseguiu fazer o curso de INVA - Instrutor para Pilotos e checou as carteiras de Piloto Comercial e Multimotores.
Numa determinada época a aviação entrou em crise, vários aeroclubes começaram a fechar e o Aeroclube de Ourinhos precisou de um instrutor. Foi então que o cmte Eitor o convidou para dar instrução. Sua grande oportunidade de fazer horas de voo e atingir seu objetivo: aviação agrícola. Eram poucos alunos, já que a época não era das melhores, e mesmo sem ganhar nada, ele agradecia um por um, pois sabia a importância daquela oportunidade em sua vida.
Certo dia conheceu um aluno no aeroclube, uma das pessoas mais honestas e importantes que passou por sua vida, Paulo Venâncio de Oliveria, um apaixonado por aviação. Paulo comprou um Corisco, e chamou Carlinhos para lhe dar instrução e fazer uns voos. Passado algum tempo Paulo o apresentou ao Sr. José Rodolfo Rocha, um fazendeiro que tinha um Seneca II, tornaram-se grandes amigos.
No aeroclube as dificuldades eram muitas naquela época. Carlinhos conta que se não fosse pelo empenho de algumas pessoas teria fechado. Ele não trabalhava só como instrutor, roçava a grama, capinava e plantava árvores com o intuito de melhorar a apresentação para os visitantes. Por vários dias chegava a caminhar até 360 Km e não fazia nenhuma hora de voo, mas voltava contente para casa pois tinha feito algo para ajudar o aeroclube.
Ficou voando no Aeroclube mais de três anos, juntando horas para tentar algum emprego na área. Até que conheceu o Cmte Stipp da TAM que é de Ourinhos. Esse comandante ao saber que ele já tinha todas as carteiras encaminhou seu currículo para a TAM.
Quando recebeu a ligaçao da TAM, parecia um sonho. Foi pra São Paulo, com pensamento positivo. Sabia que era para uma seleção e tinha certeza que era chegado o momento. Depois de 12 anos de muita luta, era chegada a sua hora. Carlinhos faz questão de lembrar: nunca me esqueço das Palavra de Ayrton Senna "Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá." Essas palavras o fortaleciam. Lembrava das brincadeiras de mau gosto dos amigos que riam dele, de tudo que passou até ali...
Mas ele conseguiu! Realizou seu sonho. Com muita garra e determinação.
Pedi ao Carlinhos para deixar uma mensagem a todos aqueles que estão começando:
"Não importa o que os outros pensam de você, o que importa é o que você quer ser. Se você quiser mudar o mundo, você muda; se você quiser você consegue tudo, basta ter fé em Deus e muita confiança. Não tenha vergonha de chorar, de cair ou de receber uma crítica que te abale profundamente. Siga em frente, lute pelos seus objetivos, seja perseverante que um dia sua vez vai chegar. Muitas vezes corremos contra a maré, querendo cada dia mais e mais antecipar as coisas, tenha certeza que Deus vai te dar o que você merece no momento certo.Tenha sempre Deus no coração, faça tudo com muito amor e dedicação.
Abraços e Fiquem Com Deus
Carlos Eduardo Carignato
CO-PILOTO CARIGNATO
Carlinhos, obrigada pela entrevista. Foi um prazer voar com uma pessoa tão especial como você!!!